Houve época em que a força
bruta era poder. Houve uma época em que a riqueza era poder. Hoje, informação é
poder. Quanto mais somos informados [...],mais poderosos somos, ao menos
teoricamente. Daí esta avalanche, este tsunami de informações. A cotação do
dólar, a taxa de inflação, o número de casos de determinada doença, candidatos
dos vários partidos, a escalação de times de futebol – nomes e números em
profusão, que nos cegam por jornais, revistas, livros, filmes, noticiários de
rádio, internet, e que tratamos de armazenar em nossa mente.
Aí surge o problema: para
armazenar a informação, a natureza nos deu um cérebro, que é a sede da memória.
E nessa memória queremos enfiar o máximo possível de informações. Diferente da
memória do computador, porém, a nossa é governada por fatores que nada têm a
ver com a informática. O estado de nossas células cerebrais, as nossas emoções;
tudo isso pode representar uma limitação para nossa capacidade de lembrar.
[...]
Felizmente a tecnologia
tem vindo em nosso auxílio. Primeiro foi o computador propriamente dito, com
sua memória cada vez maior; depois, vieram os dispositivos de armazenamento, os
CDs, os pen drives. Coisa incrível, o pen drive: um pequeno objeto no qual cabe
uma existência, ou pelo menos uma importante parte dela. Para quem, como eu,
viaja bastante e tem de trabalhar em aviões ou em hotéis, é um recurso precioso
[...]
[...] ao chegar ao
aeroporto, meti a mão no bolso para dali retirar o pen drive. Mas não encontrei
pen drive algum. Encontrei um buraco, verdade que pequeno, mas de tamanho
suficiente para dar passagem (ou para dar a liberdade?) ao pen drive. Que tinha
caído por ali.
Um transtorno, portanto.
Perguntei no aeroporto, entrei em contato com o táxi que me trouxera, liguei para
casa: nada. O pen drive tinha mesmo sumido. O buraco da camisa era, portanto,
um buraco negro, aqueles orifícios do universo em que toda a energia é sugada e
some. [...] De repente eu me dava conta de como nossa existência é frágil, de
como somos governados pelo acaso e pelo imprevisto. Nenhuma queixa contra o pen
drive, que veio para ficar; aliás, meu palpite é que, no dia do juízo final,
cada um de nós vai inserir o pen drive de sua vida no Grande Computador
Celestial. Virtudes e pecados serão instantaneamente cortejados, e o destino
final, Céu ou Inferno, decidido de imediato. Pergunta: o que acontecerá com
aqueles que, por causa de um buraco na camisa, perderam o pen drive?
De: Moacyr Scliar
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